sábado

Palavras soltas sobre teatralidade e a sociedade de espetáculo

- A vida é arte e a arte é vida. Vivemos, constantemente sobre um tablado. Chegará o momento que o diretor atirará a batuta e tirará, forçosamente a nota mais bela do concerto da vida.

- Digo na “cabeça” do texto “ Palavras soltas” porque verborragearei o que penso sabendo que ninguém tem nada a ver com isso. Penso muitas vezes que minhas palavras saem ao vento e nem o vento que a carrega lhe dá significativa importância, mas na verdade, não tem.- Acordamos todos os dias e estando, recordarei um pedaço, no principio da razão suficiente, a lei da causalidade, nem todos praticam os mesmo gestos nem sua mesma seqüência: abrimos os olhos, pensamos na vida, sentamos na cama, os pés no chão, os pés no sapato, levantamos, banheiro, escova, água, espelho, pia, água, cabelo, vazo, espelho, chuveiro, sabão, parede, xampu, pés, órgãos, não sexuais, barriga, axilas, sexuais, água, toalha, roupão, porta, espelho, batente, corredor, banheiro, espelho, corredor, porta, geladeira, mesa, corta o pão e pega os incrementos e o leite e o café e põe-se a comer. Poderíamos passar dias discorrendo sobre os gestos rituais do dia a dia e poderíamos refletir que diariamente milhões, bilhões, tri pessoas executam as mesmas ações cotidianas e muitas vezes ao mesmo tempo e igualzinho sem por se a pensar o “porque?”.

- Nós artistas devemos regurgitar o cadáver de James Jim: O ator deve interpretar a vida... e nada para o artista deve ser mais importante que a vida (e) o simples fato de viver. Nem mesmo o EGO. Agarrar a simples significação da vida é (tudo o que há e tudo) o que ele deve fazer. Interpretar seu problema!- Pra mim o expectador de/do teatro é poder colocar os olhos no buraco da fechadura, no sentido mais profundo do realismo e para o ator, o atuante, é colocar uma lente de aumento em cada gesto, situação, gestus, situação, momento presentificado da vida.

- No espaço cênico da cena levamos e realizamos nossa arte, colocamos a apreciação do expectador nossa ideologia, nossos anseios, nossos pesadelos, nossas angustias, ou seja, a crueldade do palco que vivemos em cada milésimo de tempo da nossa existência. A união dessa peste, desse câncer, dessa hemorragia de pus calcificado transforma-se em signos, os quais, podemos organizar à nossa maneira. A organicidade dos signos rotula a linguagem artística da obra e sua estética.

- Quando proponho-me a subir ao palco, ao espaço que proporei meu exercício artístico, me pergunto porque estou aqui e pra que? Se a cerveja do botequim, se a trepada com afeia ou gostozuda, se o dia das mães ou das crianças for mais importante que o porque estou ali, deixo a platéia e vou embora, mas... se... mair, fico e faço com convicção e gratidão e verdade o que me pagam/pagaram pra fazer, pois, até de graça, com prejuízos, faria.

- Muitos são adeptos da sociedade de espetáculos, nesse momento da minha vida não sou. Pra mim tudo é teatro, dança, musica, escultura, etc. Mas também a dança é teatro, a musica é dança-teatro e a escultura é um super ator e uma “super marionete” que preserva sua expressão e até a sua demolição é um belo espetacular. Tudo é espetáculo ao passo que nada também o é. Não espetacular.

- A sociedade de espetáculo vê teatro no palco, nos teatros e “babam ovo” na sincronicidade da cena e se esquecem que a maior sincronia está na vida e nos animais e no homem que ao respeitar suas macro leis(da vida), a governa. Babam ovo na plástica e na plasticidade da cena, do movimento, do corpo, da voz, da vocalidade, na construção da personagem e no distancioestranho que isso provoca e pode provocar. Mas se esquece que a gênese do todo e de tudo isso é a vida.

- A sociedade do espetáculo deve ver teatralidade na fumaça do buzão, do bonde, do carro, do ônibus. NA fumaça das crianças e adultos maconheiros fumadores de pedra. Nos “fungadores” de rapé e da pólvora branca. Ver teatralidade numa criança na bala com bala doida por bala.

- Meu estudo, enquanto interprete é interpretar a mim mesmo, a minha própria vida. Experimentar minhas próprias personagens. Minhas mácaras sociais. Acredito que, como Machado, a universalidade está na minha vila, em mim mesmo e quando conseguir experimentar o meu eu me vendo em experimentação, conseguirei tocar o não eu, ai poderei ser um “cavalo” do outro, poderei experimenta-lo e representa-lo, o inexperimentavel.

- A arquitetura da cena, penso eu, pede que construamos a arquitetura para a utilização do outro, para que ele construa e desenvolva seu eu e expresse seu ego.- Criar um teatro é ver na vida parafernálias para utilidade dela mesma no quesito mudança e provocação. Quando me proponho a criar um experimento, uma proposta, não penso, simplesmente na estética, na linguagem, no texto, na época e contexto histórico, eu procuro ver os olhinhos ou olhões azuis, verdes, castanhos claros/escuros e principalmente, pretos que verão o meu produto quando proposto criado. Procuro compor os signos pensando no que poderá suscitar no diálogo com suas próprias vivencias.

- Teatro é conflito! O primerio conflito está no atuante, depois a vivencia dessa dialética entre eu, eu me vendo fazendo e o não eu.

- Na dialética da ambivalência estou no espaço/tempo real e me transporto ao espaço/tempo imaginário, espaço/tempo ficcional. Quando saio do tempo do relógio, busco, atravéz da organicidade dos signos abarcar o público, querendo que entendam o que digo, não simplesmente o texto do autor que digo com minha voz e os signos icônicos, mas com o corpo e tudo que me acompanha, sabendo sempre que se um pássaro intruso pousar na janela da casa de espetáculos dará um outro significado a minha obra e se ele cantar, ai será foda, pois perderei mais ainda o verdadeiro objetivo/mensagem (próprio) da minha cena, porém tenho plena consciência de que o exercício é nosso, não meu.

- Teatralizar a vida é ser o que sou podendo ser outro sendo sempre o que meu ser é!

- Quando a sociedade do espetáculo entender que tudo que fazemos é simples exclusivamente para o teatro, quando limpamos, cozinhamos, tranzamos, etc. fazemos tudo isso pro teatro que se sobrepões na vida, o palco. Nesse momento a sociedade de espetáculo saberá que a rigorosidade é em pensar em fazer o que fazemos no cotidiano, se isso influirá para o sucesso ou fracasso da nossa arte e expressão artística.

- Nós atuantes/pesquisadores/interpretes devemos entender a arte no seu estado inicial de ser o ser. É buscar o sacerdócio da arte com a vida que levamos influindo na vida que vivemos.

- Isso pra mim é teatro. Isso pra mim é arte. O resto é brincadeira de criança(que é mais verdadeiro que a arte que a sociedade de espetáculo faz!).

Como disse James Jim:

Ser um bom ator não é fácilSer um homem é aindamais duroEu quero e busco ser os dois antes que chegue o fim!

David Narcizo

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